Reações cruzadas e diagnóstico diferencial em alergias alimentares: O que saber.

Entenda os mecanismos de reatividade cruzada em alergias alimentares, seus padrões clínicos e estratégias para um diagnóstico diferencial preciso

Nem toda reação alimentar é uma alergia verdadeira. Reações cruzadas e condições que imitam alergias, como intolerâncias e sensibilidades a aditivos, tornam o diagnóstico mais complexo. Compreender esses mecanismos é essencial para evitar diagnósticos equivocados e orientações alimentares desnecessárias.

Mecanismos e Padrões de Reatividade Cruzada

A reatividade cruzada ocorre quando anticorpos IgE produzidos contra um determinado alérgeno reconhecem e se ligam a proteínas estruturalmente semelhantes presentes em outros alimentos ou substâncias, desencadeando reações alérgicas em indivíduos previamente sensibilizados. Este fenômeno baseia-se na homologia estrutural entre proteínas de diferentes fontes, geralmente com similaridade sequencial superior a 70% (1).

As principais famílias de proteínas envolvidas em reatividade cruzada incluem as profilinas (proteínas ligantes de actina), proteínas de transferência de lipídeos (LTPs), proteínas relacionadas à patogênese (PR-10) e proteínas de armazenamento (2). Cada família apresenta padrões característicos de reatividade cruzada, com implicações clínicas distintas.

Um dos exemplos mais bem documentados é a síndrome látex-frutas, onde 30-50% dos pacientes alérgicos ao látex desenvolvem reações a alimentos botanicamente relacionados, como banana, abacate, kiwi e castanha (3). Outro padrão relevante é a reatividade cruzada entre ácaros e crustáceos, mediada pela tropomiosina, proteína altamente conservada entre artrópodes.

Síndrome de Alergia Oral e sua Relação com Polinose

A Síndrome de Alergia Oral (SAO), também conhecida como Síndrome de Alergia Alimentar Associada ao Pólen, representa o exemplo mais comum de reatividade cruzada clinicamente relevante, afetando 40-70% dos pacientes com polinose (5). Caracteriza-se por sintomas orofaríngeos imediatos (prurido, formigamento, edema labial e lingual) após ingestão de frutas, vegetais ou nozes frescas.

Os alérgenos envolvidos na SAO são geralmente termolábeis e sensíveis à digestão, explicando por que muitos pacientes toleram as formas cozidas ou processadas dos alimentos que desencadeiam sintomas quando consumidos crus.

Diagnóstico Diferencial das Reações Adversas a Alimentos

O diagnóstico diferencial entre alergia alimentar e outras condições que mimetizam seus sintomas representa um desafio significativo. Estudos indicam que 50-90% das suspeitas de alergia alimentar relatadas por pacientes não são confirmadas após investigação apropriada (8).

As intolerâncias alimentares, particularmente à lactose e ao glúten, frequentemente são confundidas com alergias. Enquanto a alergia envolve mecanismos imunológicos mediados por IgE ou células, as intolerâncias resultam de deficiências enzimáticas, efeitos farmacológicos ou mecanismos indefinidos.

Alergia a Aditivos Alimentares e Contaminantes

Reações adversas a aditivos alimentares afetam aproximadamente 0,01-0,23% da população geral, sendo apenas uma pequena fração mediada por mecanismos imunológicos verdadeiros (12). Os principais aditivos implicados incluem corantes, conservantes, antioxidantes e intensificadores de sabor.

A abordagem diagnóstica geralmente envolve dietas de eliminação seguidas de testes de provocação oral controlados, preferencialmente duplo-cegos e placebo-controlados.

🧬 O que aprendemos hoje?

  • Reações cruzadas ocorrem quando anticorpos IgE reconhecem proteínas semelhantes entre diferentes fontes, como no caso da síndrome látex-frutas e da tropomiosina em ácaros e crustáceos.
  • A Síndrome de Alergia Oral é uma manifestação comum da reatividade cruzada em pacientes com polinose, geralmente limitada à mucosa oral e desencadeada por alimentos crus.
  • O diagnóstico diferencial entre alergia alimentar, intolerâncias e reações a aditivos exige avaliação cuidadosa, pois muitas reações relatadas não envolvem mecanismos imunológicos verdadeiros.

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📚 Referências Bibliográficas

  1. Ferreira F, Hawranek T, Gruber P, Wopfner N, Mari A. Allergic cross-reactivity: from gene to the clinic. Allergy. 2004;59(3):243-67.
  2. Hauser M, Roulias A, Ferreira F, Egger M. Panallergens and their impact on the allergic patient. Allergy Asthma Clin Immunol. 2010;6(1):1-14.
  3. Sánchez-Monge R, Blanco C, Perales AD, et al. Class I chitinases, the panallergens responsible for the latex-fruit syndrome, are induced by ethylene treatment and inactivated by heating. J Allergy Clin Immunol. 2000;106(1):190-5.
  4. Matricardi PM, Kleine-Tebbe J, Hoffmann HJ, et al. EAACI Molecular Allergology User’s Guide. Pediatr Allergy Immunol. 2016;27(Suppl 23):1-250.
  5. Webber CM, England RW. Oral allergy syndrome: a clinical, diagnostic, and therapeutic challenge. Ann Allergy Asthma Immunol. 2010;104(2):101-8.
  6. Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar. Arq Asma Alerg Imunol. 2018;2(Supl 1):S1-S92.
  7. Katelaris CH. Food allergy and oral allergy or pollen-food syndrome. Curr Opin Allergy Clin Immunol. 2010;10(3):246-51.
  8. Sicherer SH, Sampson HA. Food allergy: A review and update on epidemiology, pathogenesis, diagnosis, prevention, and management. J Allergy Clin Immunol. 2018;141(1):41-58.
  9. Turnbull JL, Adams HN, Gorard DA. Review article: the diagnosis and management of food allergy and food intolerances. Aliment Pharmacol Ther. 2015;41(1):3-25.
  10. Maintz L, Novak N. Histamine and histamine intolerance. Am J Clin Nutr. 2007;85(5):1185-96.
  11. Muraro A, Werfel T, Hoffmann-Sommergruber K, et al. EAACI food allergy and anaphylaxis guidelines: diagnosis and management of food allergy. Allergy. 2014;69(8):1008-25.
  12. Skypala IJ, Williams M, Reeves L, Meyer R, Venter C. Sensitivity to food additives, vaso-active amines and salicylates: a review of the evidence. Clin Transl Allergy. 2015;5:34.
  13. Anvisa. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC Nº 26, de 2 de julho de 2015. Dispõe sobre os requisitos para rotulagem obrigatória dos principais alimentos que causam alergias alimentares. Diário Oficial da União. 2015.
  14. Fernandes MR, Berardi VP, Nunes FLS, Mendonça RB. Avaliação da adequação da rotulagem de alimentos com relação à alergia alimentar. Rev Inst Adolfo Lutz. 2018;77:e1741.
  15. Cardinale F, Mangini F, Berardi M, et al. Intolerance to food additives: an update. Minerva Pediatr. 2008;60(6):1401-9.