Recuperar é possível? O que acontece com o cérebro após a desnutrição
Desnutrição afeta o cérebro, mas há chance de recuperação. Veja quando o tratamento funciona e o que ajuda no desenvolvimento.

A desnutrição afeta o cérebro para sempre?
Nem sempre. O cérebro da criança é muito adaptável, especialmente nos primeiros anos de vida. Isso significa que, se a desnutrição for tratada a tempo, há chances reais de recuperação.
Esse potencial de mudança se chama neuroplasticidade — é a capacidade do cérebro de se reorganizar e aprender, mesmo depois de enfrentar dificuldades.
Quanto mais cedo a criança recebe os cuidados certos, maiores são as chances de recuperação.
Estudos mostram que, se a intervenção acontecer antes dos 2 anos, é possível reverter até 70% dos prejuízos cognitivos causados pela desnutrição (1). Mas isso não quer dizer que crianças mais velhas não possam melhorar. Até os 12 anos, o cérebro ainda está em desenvolvimento e pode responder positivamente a tratamentos adequados (2, 3).
O que é o “catch-up” cognitivo?
É o nome dado ao processo de “recuperação” que acontece depois de um período de atraso no desenvolvimento. Com nutrição adequada, ambiente estimulante e apoio psicológico, a criança pode alcançar, pelo menos em parte, o que seria esperado para sua idade.
Cerca de 85% das crianças com desnutrição leve ou moderada conseguem recuperar boa parte de suas funções cognitivas.
Em casos graves e prolongados, a recuperação pode ser mais difícil — apenas 40% a 50% das crianças conseguem acompanhar seus colegas (4). Mesmo assim, há muito o que pode ser feito para melhorar a atenção, memória e aprendizado.
Funções como memória de trabalho e atenção sustentada têm maior chance de melhora. Já linguagem complexa e planejamento tendem a levar mais tempo para se recuperar (5).
Quatro fatores fazem toda a diferença:
- Gravidade da desnutrição
- Idade da criança no momento da intervenção
- Qualidade do ambiente em que a criança vive
- Se a intervenção inclui nutrição, saúde e estímulo ao mesmo tempo
O que funciona de verdade?

As melhores estratégias são aquelas que combinam várias frentes: alimentação, cuidados de saúde e estímulos para o cérebro. Veja o que já deu certo:
- Programa da Jamaica: combinava nutrição com brincadeiras e atividades educativas. As crianças melhoraram o QI, foram melhor na escola e até ganharam mais dinheiro na vida adulta (7).
- Programa Primeira Infância Melhor (RS): visitas domiciliares com orientação nutricional e estímulos ao desenvolvimento. Quanto mais cedo a criança começava, melhores os resultados (8).
Outras ações eficazes incluem:
- Brincadeiras estruturadas que treinam a atenção e o raciocínio;
- Atividades sensoriais com cores, sons e texturas variadas;
- Jogos no computador que treinam memória e foco;
- Suplementação com ferro, ômega-3 e colina, que ajudam o cérebro a funcionar melhor.
A prevenção ainda é o melhor caminho. Mas, mesmo depois da desnutrição, a recuperação é possível, especialmente se a intervenção for rápida e bem planejada.
🧬 O que aprendemos hoje?

- O cérebro da criança tem grande capacidade de recuperação, especialmente se a desnutrição for tratada até os 2 anos de idade.
- O “catch-up” cognitivo é possível com uma combinação de boa alimentação, estímulos adequados e cuidado com a saúde.
- Mesmo em casos mais graves, intervenções bem planejadas podem melhorar a atenção, a memória e o aprendizado.
Aqui no Clube da Saúde Infantil, acreditamos: crescer com saúde é mais legal!
📚 Referências Bibliográficas
- Prado EL, Dewey KG. Nutrition and brain development in early life. Nutr Rev. 2014;72(4):267-284.
- Georgieff MK. Nutrition and the developing brain. Am J Clin Nutr. 2007;85(2):614S-620S.
- Nelson CA, Zeanah CH, Fox NA. Neural Plast. 2019;2019:1676285.
- Black MM et al. Lancet. 2017;389(10064):77-90.
- Waber DP et al. Neuropsychology. 2018;32(5):511-520.
- Grantham-McGregor SM et al. Ann N Y Acad Sci. 2014;1308:11-32.
- Walker SP et al. Pediatrics. 2011;127(5):849-857.
- Schneider A, Ramires VR. Primeira Infância Melhor. UNESCO; 2007.